sábado, 1 de novembro de 2008

Crónica de um último suspiro

Tenho de acordar
A burocracia clama
O soldado de papel
Perdeu a sua alma
Nas chamas da tinta
Acabou-se a sua chama.

Olhos cavados
Ausentes de vida
Passos que foram sagrados
Agora comem-no vivo
Pelos trilhos andados
Sombras a pedido.

"Sim Senhor"
Grita a voz mortiça
"É para já"
Diz em surdina
"Porque não?..."
Silencia a sina.

"Aqui estão"
Anuncia a solidão
"O que não consigo fazer"
Assume com resignação
"Mas tem de ser"
Confirma a direcção.

Abandona(-se) e cai
Ombros ao lado
Afunda-se na cadeira
Está desolado
Não consegue
Está isolado.

A esperança é a última fronteira
Onde todos pretendem ir
Mas todos esperam a intrepidez
De quem ousa fugir
Da marasma estupidez
Para colher os ventos do devir.

"Faz assim"
Anunciação divina
"Não te preocupes"
Mantém a sua sisma
"Alinha que é tudo manso"
Eleva a submissão
"Mantém-te tanso"
Aconselha a vizinha.

E os cães vão ladrando
Enquanto a caravana passa
É o cheiro putrefacto
De quem já morreu
Mas pensa que está vivo de facto.

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