terça-feira, 16 de dezembro de 2008

A prisão dos sentimentos

A doce e misteriosa criatura que um dia percorreu caminhos travessos
Numa muralha de impostura onde se empareda e se esconde
Leva a que se refugie em si mesma e não se reconheça
Dando a si própria a falsa sensação de controlo sobre o que a rodeia
Que no fundo é nada a não ser pedra fria e impessoal.

Mas para cada muralha que isola de si isola os outros
Fechando-se ao exterior mas fechando o exterior
Tornando sós as almas errantes na Natureza selvagem
Ansiando por alimento que existe só e apenas
Do outro lado do lado fechado.

Errantes vão descendo ao Inferno de Dante
À vil existência pueril da birra e teimosia
De querer o brinquedo só para si mesmo que já o não queira
Só porque já foi seu e não se partilha
Nem tam pouco já se consegue nutrir desejo.

Mas a mente humana é pobre
A doce juvenilidade da possessão que esconde os olhos
Que leva ao doce isolamento do romantismo bacoco
De ver o mundo a duas dimensões unívocas
É uma loucura que obriga a ser partilhada por quem o não deseja.

Corre-se por sobre a muralha que não acaba mais
Subidas e degraus infindáveis de sofridão e suor de língua acalentado
Tropeços e levantos intermináveis de escoriações mentais
Para que miserável alma muralhada escondida
Que a todos corre em corropio mundano de existência localizada.

O romantismo morreu no dia em que nasceu
Ele em si não existe, é uma miragem, um mito
Algo que não existe mas que precisou de ser nomeado para dar nome
Às muralhas erigidas e levantadas por maus capitães
Que levaram as suas naus e homens ao fundo.

Na superior existência somos todos livres de maus capitães
Um sítio onde se salta por cima desse posto de energúmenos
Que não reconhecem a justiça dos seus marinheiros
Mesmo que estes sejam seus superiores em comando
Preferindo a rebelião levada ao motim do coração!

segunda-feira, 15 de dezembro de 2008

Viagens pelo mundo dos vivos e da morte

Nas viagens pelo mundo, deu de caras com um anjo.
Olhou-o, cheirou-o, visualizou-o, e viajou de novo…
Não era tempo do tempo se encontrar antes de tempo.
Foi flutuando…
Foi-se mostrando…
Foi enfeitiçando enquanto se enfeitiçava…
Bebeu a própria poção que preparou e enfeitiçado ficou…
O feitiço da lua noite branca
Deixou que a alma se sentasse à espera
Do momento que estava para vir…
Criou-o com as suas mãos
Cavou fundo nas costas da areia rochosa
Com unhas em sangue lavadas olhadas
O horizonte ora desperto ora morto
Enquanto esperava pela brisa que estava para vir…
E não vinha!
Sentado no pedrão negro
Via as silhuetas ao longe chamando
Escudado nos vidros escuros permaneceu imóvel
Fazendo de conta, pretendendo ser outro
Ser aquele que de facto não é e nunca será
Aquele que é forte na fraqueza dos outros.

Duas gaivotas, então, se encontraram
E partilharam carícias animais
Pactuando em pacto aparte
O que de facto era junto
Até que seus bicos agarraram o mesmo peixe
Consumando a alimentação desejada…
Mas a força da fêmea é pouca
Largou a sardinha…
Queria salmão a pobrezinha!...
E deixou-se roubar a criaturinha!...
Ou não?!...

Outro dia, outro desencontro
Outra viagem, outra amaragem
Outros sons, outros confortos
Até ao máximo alado da noite ofuscado
Após o manjar repastado tardiamente esbanjado
Para 30 dias de solidão da noite invernia
Em tempo de estio.
A volta da maré pouco trouxe de diferente
Um pouco até de menos
A distante sereia que chamava
Rugia não cantava
Abanava não aliciava
Criava tensão não acalmava…
Mas o vermelho diabo assustado
Bem tentava aquecer o inferno da fornalha.
Oportunidades criadas
Momentos desperdiçados
Propícios desejos desejados e encontrados
Mas descartados pelas presenças das sombras.
Sombrios pensamentos de certezas
Certo que é certo do que certo é
A luxúria da bidimensionalidade escondida
Nos aconchegos frágeis e ténues
Procurados escondidos mas vistos pelo gato
Que não consegue esconder o rabo…
Ou intencionais para afastar ou achegar…
O triângulo adensa-se…

Muito amor condensado
Entre dois iguais amansados
Em mentiras brancas escudados
Não se abrem as portas da abertura
Consolidando a necessidade da mentira
Para sempre e todo o sempre.

Deve ter sido um mar de prazer
Uma consumição danada
Pelo chão de rojo arranjada
Uma consumação atada
De domínio avassalador
De mulher em mulher
Macho fêmea no mesmo
Por onde anda a partilha da dialéctica humana?

Foi-se… partiu… só… desejo…
Clama… chama… aspira…
Nega… suspira… solta… amaina…
Até que… um alto escuro momento
Uma nuvem se abre e o raio de sol aparece
A gaivota levanta o bico
Canta no seu piar sem jeito e voa
Voa de encontro ao sol que a queima
Mas o calor é bom, belo, sedutor
Vale a pena morrer neste sol…

E morreu!
No dia 2, após o dia um que o foi de facto
Real e met(af)eórico
Uma viagem num mundo de bis
Esqueceu-se que o sol queima a quem aqueceu
E a gaivota caiu
Caiu do alto mas não morreu!
Desmembrou, hemorrajou
Inertou meses vendo aquele sol que a mantinha viva
A alimentava enquanto se definha
Até que a morte a levou para cima
E viu que outras gaivotas voavam naquele voo astral…
Tantas gaivotas
Uma e outra… e mais outra ainda!
Asas tocavam em si
Grasnando por ela
Assumindo-a subir mais
A juntar-se ao nós formado pelo todo
Daqueles que foram já um com o seu par
E o perderam porque foram matados
Ensanguentados
Partidos
Abandonados
E que no fim foram encontrados.

Bendita a morte desta gaivota que a trouxe de volta à vida
Bendito o assassino que trouxe esta vida de volta
Bendita a submissão que dá em fartura de sentimento
Benditos aqueles que julgam superior vontade
Mas que no fim se encontram sempre no escuro
Miserável escuro que puxa para baixo
Por muito que procureis sereis sempre
Miseráveis e tristes
Aspirando pelo que não têm
Sonhando com o que gostavam de ter
Expiando pseudo-dores próprias
Negadas na existência solitária de uma miséria
Que se auto-comisera e se alimenta em si mesma.

Sede triste e só
Sede homem num corpo fútil
Sede mulher numa hábil luta
Enganai quem se deixa enganar
Porque a cada momento
A cada troca
Ganha quem ganha, perde quem dá
Porque não recebe, só cobra
E no fim
Nada se tem para dar em troca.

Pobre gaivota que mata
Porque mata-se a si mesma
Enquanto a que morre
Renasce das cinzas mais forte
E junto de outras gaivotas
Esplendorosas
Belas
Esbeltas
De novos bicos que esquecem os outros bicos!

Que lindo bico que foi!...
Um bicudo bicar de salto lançado
Aterrado no queixo próprio
Quase sendo alimentar manjado!
A hora fora longa
A fome demasiadamente adiada
Supreendeu-se a sim mesma
Com aquilo para que fora criada.

Agora a gaivota sabe que pode
Não importa o quê nem como
Simplesmente sabe que sim, que f…

quinta-feira, 11 de dezembro de 2008

Crispação

Ontem perdi-me em ti
Hoje encontro-me aqui
Amanhã perder-me-ei em mim
Sonhando com o que encontrarei.

Foi pesadelo do qual acordei
Sonho infeliz de roupagens belas
Chorei de alegrias amadas
Pintei de palavras amargas telas
Onde no fundo me perdi.

O dia é negro
Qual tal minha alma
Nunca o deveria ter deixado de ser
Deixar inundar-me de calma.

Vivo no tormento
Abracei sempre as agitadas águas
Doce e ternurento complemento
Do doce sabor a fel das mágoas.

Nunca deveria ter sido
Presença que altera o espírito
Nuvem de pó ácido corrosivo
Alegria... aquele mito.

Hoje regresso às origens
Monto meu alazão negro branco
Cavalgarei de encontro ao destino
Onde me encontrarei descalço
Frente a frente com ele
Meu irmão gémeo de tacto
Que anseia pela minha rendição
E amaldiçoe aquele que É de facto.

terça-feira, 9 de dezembro de 2008

Descoberta e consciência repentina

Mas quem te abanou os teus alicerces?

Um anjo
Um anjo negro
O lado negro do arcanjo que sou
Alguém que tocou as minhas asas e as molhou
Não me deixando voar por causa das penas molhadas...

Continua…

Humm!...
Mas o anjo negro voa na noite do pensamento
Escondido dizendo que procura a luz
Que anseia pela liberdade vespertina
E eu retorno ao breu existencial
Ao fundo de uma alma apaziguada pelos anos.


Num fugaz momento do tempo
Encontrámo-nos na passagem
E descobrimo-nos mas ambos em sentidos diferentes
O problema é que o vôo não diverge
Simplesmente parece que sim
E o que o molhou não foi água
Foi sal de lágrimas
Das suas lágrimas
Que tombam para trás pela força do movimento alado
De quem esvoaça em meu redor!


segunda-feira, 1 de dezembro de 2008

Sofro em recuo

Esmoreces em mim...
Matas um sentimento belo...
Saudade das horas negras da noite que aconchegavas...
Emudeço ante mim a noite da indiferença...
Foge-me o sorriso na substituição de um resignar dos lábios...
Já não corro, ando...
Já não ando, arrasto...
Já não arrasto, cambaleio...
Já não cambaleio, paro...
Estou parado, recuo...
Enquanto recuo, esqueço...
Esqueço o que já não é...
O que já não é já o foi enquanto passo por ele...
Aceno-lhe enquanto sorri...
Sorri porque não sabe que vai recuar...
Estendo a mão para que me sinta...
Não me sente nesta curta distância...
Sou fantasma de mim próprio...
Vejo-me etéreo enquanto o sol do verão dá lugar à sombra do inverno
Neste recuo temporal...
Até ao dia em que fui desconhecido...
A saliva esgota-se-me na garganta...
É tempo de dizer ao tempo que está no tempo de dizer adeus ao tempo...